Perdida na noite escura, numa rua grande demais para uma pessoa só, com o vento norte gelado como o dos Alpes Suíços a passar na minha cara transtornada por causa da notícia que apesar de ser previsível desde há muito, tentei sem sucesso ignorar,na esperança de que essa atitude mudasse o futuro. Já não há caminhos para voltar, e o que é que a vida fez de mim? Arrastou lentamente para longe de mim tudo o que era sólido e estável. Tornou a minha vida, um mar de questões que nunca serão respondidas, medos que nunca serão ultrapassados e desgostos que nem o tempo irá curar. O tempo passa, passa tão rápido quando desejo que passe lentamente, e tão devagar quando anseio que passe depressa. Mas tanto faz... o meu destino será para sempre querer algo mais; desejar o impossivel; passar estas noites frias sozinha, nesta rua desesperadamente longa, que parece não ter fim, tal como a maré de sorte em que todos nadam neste presente e num futuro próximo, mas em que eu não estou incluída. Bem que eu quis, depois de tudo ainda ser feliz, mas é provavelmente tarde de mais. O tempo passou e decidiu por mim; já me esqueci de te esquecer. Já me esqueci de que tudo isto me faz mal, me intoxica lentamente. Estas noites de dor repetem-se há alguns meses, embora a solidão e descontentamento dure há muito mais e eu, humildemente, apenas desejo um caminho de regresso. Regresso a uma felicidade apenas fingida, mas que ao menos me trazia alguma estabilidade. Por mais que tente, não o encontro, é como se estivesse escondida por todos os males deste mundo e mais alguns de outros. Aqui sentada no degrau do costume, no prédio do costume, em frente do mendigo do costume que se encontra sempre adormecido, com o maço indespensável e o Martini Branco que já é sem dúvida um dos meus melhores amigos, recordo cada momento, cada pormenor, cada inustiça e penso : que lua esta que tudo me tirou ... que tempo incrível que tudo levou.
Chorar já não vale de nada, esgotei no passado todas as minhas reservas de lágrimas e forças para o fazer. Agora arrependo-me de ter derramado tantas gotinhas mágicas por coisas ridículas que nem faziam parte da minha realidade. Gritar nunca foi solução para mim; é algo que faço continuamente - num grito interior e doloroso. Arranho a minha garganta toda em busca de algo que me tire deste buraco negro que me pucha sem ceder um único momento de descanso. Finalmente acho nas profundezas da minha consciência, escondida na grande maioria do tempo por todos os cigarros e alcóol, uma definição perfeita para nós : é como se eu tivesse por de baixo dos meus pés uma rampa rodante na tua direcção e não sou capaz de me virar para o lado oposto. As poucas luzes acesas na bela e grande Lisboa apagam-se. Assim percebo que deve ser realmente tarde e em outra altura qualquer o medo teria-me invadido , mas agora já não tinha nada a perder. Morrer não era um problema de todo, era de facto um desejo disparatado. Ser assaltada era mais aborrecido, porque de seguida teria de continuar a viver sem os meus bens. Estes são apenas a garrafa de Martini e o maço de tabaco; com excepção desses meus dois grandes amigos e inimigos ao mesmo tempo, não tinha nada a perder e por isso, nada a temer. Por isso nem me incomodei, decidi que ia ficar ali até bem me apetecer. Podiam aparecer os bandidos mais perigosos da Europa, nada me tiraria daquele degrau, preso aquelas escadas, presas àquele prédio que tinha sido o meu lar noturno ao longo dos últimos meses. A rotina já estava bem estabelecida : a uma dada altura, depois de me deprimir por completo e o organismo precisar de um descanso forçado, iria adormecer num sono profundo mas ansioso. Sinceramente, a leveza com que prevejo a situação demonstra-me que cada vez estou mais insensível até para comigo mesma. Talvez por já estar habituada aos exageros, os ataques e às críticas. Alguma coisa há sempre de estar mal, e é claro que a culpada serei sempre eu. Raramente me comovo com algum filme ou alguma música, com uma fotografia antiga ou alguma lembrança. A verdade é que as lembranças já não me comovem, só criam mais uma razão para justificar o meu descontentamento constante. De certa forma, até me fazem sentir melhor comigo mesma e com a minha fragilidade. Talvez não seja fragilidade mas sim uma vontade que invade os meus dias de ser salva . E não consigo perceber essa vontade, porque em tempos a minha teoria que parecia ser definitiva, consistia claramente em que cada um se tem de se salvar dentro dos possiveis. Cada um tem de fazer um esforço por se salvar da fossa que o mundo nos propõe todos os dias. Todos os dias sem excepção somos vitímas de testes propostos por alguém que nem é capaz de descer do seu lar, vir tomar um café connosco e finalmente explicar como devemos agir nas determinadas situações. Somos apenas peças de um jogo xadrez manipulado por um jogador que não dá a cara. A sua obrigação é dar-nos algumas pistas, um toque aqui e ali; se vir que estamos a falhar, a ir pelo caminho errado, deveria ajudar-nos a descobrir o certo. Porque é que insistem que a força esta dentro de nós?! Dentro de nós onde? Porque eu passo aqui os meus serões a pensar em tudo, analisar cuidadosamente e não encontro a resposta a nada. Desde pequena que sonho com um príncipe que já percebi não existir. Digam o que disserem, não existe mesmo, em lado nenhum. E quanto mais procuramos por ele, menos hipóteses temos de que apareça uma coisa parecida com essa personagem que todas desejamos. Enquanto era ingénua e o meu coração estava tapado com panos de infantilidade , passava noites inteiras a ver romances – devo ter visto todos os romances do clube-de-video do meu bairro. O tempo passou e esses panos foram sendo rompidos por todos os sapos que foram aparecendo e tentando a sua sorte. Assistir aqueles filmes dáva-me prazer. Continuo a ver todos os fins-de-semana e por incrível que pareça quase que me fazem acreditar que o amor existe. Vemos aquelas histórias lindas, aquelas falas tão bonitas e doces, que no fundo não passam de um feitiço que nos encanta e inspira para perdermos tempo à procura de uma coisa que só acontece nessas fantasias criadas pelos humanos. O que mais me assusta é que estou tão ou mais bêbada que o mendigo do prédio da frente e mesmo assim não consigo parar de pensar! Não consigo evitar pensar nestes assuntos todos, não me consigo esquecer das coisas.
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